domingo, 24 de maio de 2015

Love, My Love...

O Amor, Meu Amor

Nosso amor é impuro 
como impura é a luz e a água
 
e tudo quanto nasce
 
e vive além do tempo.
 

Minhas pernas são água,
 
as tuas são luz
 
e dão a volta ao universo
 
quando se enlaçam
 
até se tornarem deserto e escuro.
 
E eu sofro de te abraçar
 
depois de te abraçar para não sofrer.
 

E toco-te
 
para deixares de ter corpo
 
e o meu corpo nasce
 
quando se extingue no teu.
 

E respiro em ti
 
para me sufocar
 
e espreito em tua claridade
 
para me cegar,
 
meu Sol vertido em Lua,
 
minha noite alvorecida.
 

Tu me bebes
 
e eu me converto na tua sede.
 
Meus lábios mordem,
 
meus dentes beijam,
 
minha pele te veste
 
e ficas ainda mais despida.
 

Pudesse eu ser tu
 
E em tua saudade ser a minha própria espera.
 

Mas eu deito-me em teu leito
 
Quando apenas queria dormir em ti.
 

E sonho-te
 
Quando ansiava ser um sonho teu.
 

E levito, voo de semente,
 
para em mim mesmo te plantar
 
menos que flor: simples perfume,
 
lembrança de pétala sem chão onde tombar.
 

Teus olhos inundando os meus
 
e a minha vida, já sem leito,
 
vai galgando margens
 
até tudo ser mar.
 
Esse mar que só há depois do mar.
 

Mia Couto, in "idades cidades divindades"
 

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